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Mostrando postagens de julho, 2022

COLIBRI

COLIBRI Charles Fonseca Há esperança no futuro Se teu amor, mel de uruçú, Me adocica o passado fel E o meu céu se torna azul. Adoça, mulher amada, Minha vida de acauã. Faz-me terno colibri A beijar-te, cada manhã!

E se

Como possível alguém abalar a vida conjugal ante pressão idiossincrásica ancestral? E se não como entender a manutenção de uma sofrida solidão a dois? E se errou como não voltar atrás se havia algo a mais do que cifrões a dois? E se...
ARRIBAÇÃO  Charles Fonseca  Tu que em vida te afastas  Na morte não te aproximes  Eu quero o junco vime  Não cactos longa data  Cujas folhas morrem espinhos  Raízes em terra solta  Flores em alma revolta  Pecos frutos no caminho  Morre o meu amor sertão  Pia ao longe o carcará  Arribação voou já  Sou livre de novo então.
em papel cartolina um album ando compondo, em minha alma espaços já ocupados, outros com as beiras vazias no aguardo de umas fotos que a vida me retirou sob os olhos, são lembranças hoje abrolhos, não as ter promessa é dívida; cobro sem correção monetária ocorre que urge o tempo antes do meu passamento quero as fotos a mortuária já me tem em aguardo breve, quem a mim deve olhe a pira, crepita a lenha, a chama brilha, o tempo urge, não prescreve.

Tenho uma vantagem. Berro como um bode. Como pode uma ovelha não balir ante a incerteza ante o porvir que natureza, assim morreu meu pai tão nobre.

UM DIA

Um dia se for o caso voltarás a quem te hospedou por décadas e no seu peito em pétalas a ti ninou no berço um dia quem sabe ainda o encontrarás em agonia ou talvez em franca alegria a ti saudará, menina como a que foste ainda ao colo a te ninar alto de Ondina, a mirar o céu que descortina um sonho porvir, menina um dia já foi a tarde cobre o entorno um manto escuro, talvez nem haja mais nem muro Igreja da Graça a ti venha um chôro

CONVIDO-TE

Convido-te, amiga, às doces paragens Campestres, ao silêncio dos prados, Aos ternos murmúrios dos nossos regatos, Aos roucos sussurros aquém das miragens. Convido-te comigo a outros olhares, A outros dizeres dos nossos silêncios, A outros perfumes a nós como prêmios, Tocar nossas harpas, frementes, vibrares. Convido-te, amiga, pra caminhada A dois pela praia, o mar por fronteira, As nossas dores escrever na areia, Do nosso amor gozar, madrugada.

No fundo és alma boa vieste ao mundo, zás, linda és meu rebento em paz, espero por ti, rio à toa

NA PORTA DA IGREJA

vestida de branco sem véu ou grinalda tecido de cassa brocado a princesa sapatos conforme, quanta lindeza, nela eu via paixão alvorada foi tão linda aquela emoção um frio me dava acima do umbigo ela sorria a mim, nem te ligo em Jequié, um calorão tudo passou na porta da igreja 'está terminado' nem bem começou  por que? abelhudo que sou nada de novo, por ti nem um beijo ai quanta tristeza boiando nos olhos a lágrima de mim cristalina pra que fui amar essa menina? vida que segue, espinhos, abrolhos

MOLAMBO

a mim restou a impressão psíquica, pelo caminho retalhos de palavras, trabalho que tive dura lavra e ainda assim estou em tísica a querer só da imagem o que ela a mim me traz gozo, parcial eu quero o todo, não este verso amolambado

CINZAS

Não levaste o meu Neruda Só o simplório cinzeiro Do nosso amor que luzeiro Qual cigarro se esfuma Espumas, Massarandupió Estrelas, um burro a zurrar Pra traz ficam à beira mar Cinzas do que foi melhor. Charles Fonseca

A casa de campo

Conheço aquela mulher como poucos desde os 21 anos. Audaz, pretensiosa, corajosa. Sincera na sua atividade profissional. Incorruptível. As voltas que a vida dá nos distanciou sob  tantas flechas que o general Aníbal haveria de tremer à  sombra delas. Quis a boa vontade do peito dos humanos que conversássemos de novo por meia hora na qual um ou outro evento dos ultimos 50 anos transitaram. Os netos como tema principal. Afinal específicos de avós. Que vão bem patati patatá.  A vida ensinou àquela senhora ser discreta no falar, atenta no ouvir. Ouve os cicios das aragens, o silvo dos ofídeos, o canto noturno da cavala. O cantar dos galos marcando a aurora. O gado a mugir, o relincho dos equestres. Sozinha, administra a propriedade rural onde seu pai contruiu um bela casa a que chamava de seu quartel general. Um Aníbal imaginário. Renunciou a direitos que o tempo não lhe daria margem a usufruir. A justiça tarda ê injusta. Só quer a paz de sua casa de campo e nada mais. Saudosa Elis Regina!

A TRISTEZA

pras ingratidões reticências pras dores fracos gemidos pros amores bravos! curtidos pras saudades incelências daquelas dos ermos lugares caatingas carrapichos imburanas ao capricho dos carcarás sobre os ares  assim verso em defesa  da minha alma e resvalo significante e significado dura vida, espanto a tristeza

FURTA COR

ele foi honesto, perguntei a cliente gaguejou 'no fim foi' e suspirou um tanto triste fiquei como pôde ser assim no início, obscuro no meio, síndico furto ao condomínio enfim

FELIZES

peço por esta mulher, Senhor, que me deste em acolhida muito menos mereço em vida ela me dá o seu amor nós estamos mesmo barco só afeto desde a popa té que a alma de um voa e um de nós aporte o barco no cais chamado solidão, que estejamos sempre juntos que sofremos desconjuntos netos filhos até irmãos espalhados outros países nas visões em outras plagas, pra estes pedimos vagas nos céus que a nós deste felizes

PARTIDAS

não lembro se lhe fechei as pálpebras ou dei o devido apoio, ela aos noventa e cinco, só meu pai comigo em torno partiu assim Mariquinha, filho e neto enfim a sós o que fiz então após?, Deus meu, acolhe esta alminha como acolhestes a do meu pai, ele dizia estou preparado, eu ainda não todo deste lado, ainda quero a mim mais paz quem estará comigo em volta, já eu tenha sido levado?, a alma do corpo afastado. Sorrio, abriu-me a porta!

A quem interessa a sorte de não mais dor e lágrima sem riso virar a página e entregar o corpo ao pó?

À MEIA

Esta rosa de tez negra ofereço às matrizes mães de leite nutrizes filhos brancos bancos meia Que fizeram das iaiás filhas do branco opressor parceiras do mais amor, mulheres vindas da África.

À FILHA DE ECO

À vista uma mancha senil sobre o dorso de minha mão e agora meu irmão que há de ser, oh meu Narciso! Que dirá de mim Eco tão bela a minha fada madrinha? há de ser nada, há muito ainda à frente, longa a estrada. Ainda bem, digo à minha amada, filha de Eco és bela, não te assuste te entrega aos teus misteres, tua jornada

ALÉM DO RIO

um exagero na dose no entanto sorrio, não pediu perdão e ficou só, a culpa vai junto ao pó, há uma margem além do rio ainda há salvação, sem mentira dor ou tristeza, pede perdão,  não minta, é feio, assim estendo minha mão

O SOLUÇO QUE A MIM RESTA

restou ao fim a palha do que antes foi palmeira esvoaçante altaneira a olhar píncaros azulados ainda bem que brotam de si novos brotos eu à espera se houver tempo ai quem dera vê-los a crescer o porvir para mim está mais curto próximo o desenlace desta terra a um passe para o além resta um soluço

A PRENSA

uma bola de ferro ao tornozelo uma grade a reter a alma só ouvidos, obedece e cala olha em torno no peito gelo pobre mulher e foi tão farta desenvolta, nada a continha  escrava ficou de sua cria ensinou tanto que ficou em falta da liberdade de ir e vir de expressar aquilo que pensa  tolhido o olhar não há porvir corpo e alma, contida em prensa.

O RETRATO

um retrato três por quatro, um cabelo meio Chanel, os lábios baton a granel, um olhar desesperado era um foto pro crachá, daquela triste Companhia, um desastre-alforria, trouxe à dita "é pra parar" aí foi o seu drama, a dama trabalha demais por não ser feliz, meu rapaz, o fisioterapeuta, o drama, faltou o almaterapeuta, um visão transcendente uma fé, atrás tem gente há uma familia, um psi, um terapeuta...

CHOVES, CHUVINHA

Choras triste saudades dos mares Nos teus molhares há tantas dores No teu chorar destilas amores No teu vagar só flores, pomares. Choves chuvinha na minha porta Gotas de prata no meu jardim Nas minhas rosas, nos meus jasmins Molhas também meu quintal, a horta.

A TURMA DE 1968

e assim vamos em fila cada qual um após outro,turma de 1968, hoje foi Santana, agita o coração de cada colega quem será de nós "o próximo!", perguntamos sem resposta, és tu, ele, eu agnóstico? Vai aí mais um que a alma entrega.

A TRISTE PARTIDA

Um a um segui a fila, a felecida estendida, cada qual dava a partida e eu nada compreendia que já ali se fora a mãe, um beijo à testa fria e eu aturdido, de mim partia, um adeus, nunca mais, ai meus irmãos...

CANGAÇO

Passageiro tu que andas Pelas ruas e vielas Dize-me por entre velas Se ela mandou lembrança Daqueles tempos de outrora Daquele riso tão largo Montada em mim em cangaço Eu seu cavalo na aurora De sua vida chegada De susto sem previsão Sem mais nem menos então Eu cavalo relinchava Se a vires por aí Tão cheia de objetos De planos diz que abjeto Estou sem ela a sorrir Diz também que eu já cansado De esperar pelo porvir De ir a ela e ela ir Se afastando pelo lado Que estou aqui qual dantes À mercê da ilusão De amar por alusão A ela tal qual foi antes.

CINZAS

Não levastes o meu Neruda Só o simplório cinzeiro Do nosso amor que luzeiro Qual cigarro se esfuma Espumas, Massarandupió Estrelas, um burro a zurrar Pra traz ficam à beira mar Cinzas do que foi melhor.

CAVALO ALAZÃO

  Durmo, sonho, sorrio.  Um cavalo corcoveia  Cor canela vermelha,  Relinchando, está no cio.  Um cavalo corcoveia,  Malha em terreno baldio.  Nada o prende, ele é vadio,  A potranca ele deseja.  Em prado vazio malho  Ao instinto estou sujeito.  Acordo, bate-me o peito.  Sou razão, domo o cavalo.  Sou cavalo alazão,  Sou instinto arqueado.  Salto ao chão, solto, apeado,  Corcoveio na paixão.

Ouço com enfado um casquear, uma claque de rodeio, um candidato em corcoveio, u'a triste Banânia a arfar

O FACHO

sabe onde o calo aperta se a calça é apertada  se a capa o vento esvoaça ou o chapéu ao vento o leva toda a emoção concentrada sem nada dito silente  um querer mais fremente  vida de amar, longa estrada e no entanto o vate grafa em pedra lápide aço o mais sentir no quase nada menos, bardo, recolhe o facho?

CASAMENTO

Porque choras, oh poeta, em casamentos, Mesmo se de estranhos for? Serão sonhos do passado Ou do futuro que não chegou?

JOIA RARA

hoje é dia de muita emoção  da chegada de Maria Clara digo que é minha joia rara quem mais vier não é pouco não  netos são joias da coroa o ápice de nossa existência com os pés na terra, são magnificência são bençãos, minha alma voa

CIDADE PRESÉPIO

como te amo cidade presépio como és bela com tuas ladeiras cheguei a ti às tuas beiras me acolheste, meu desidério é sempre voltar, em ti vieram filhos a mim e agora também outros netos são meus amores digo decerto os amo, são meus, não d'outros, sorrio. Volto a ti Salvador entre amores diversos a mim me divertem se lágrimas ainda em mim vertem são hoje alegres novos alvores

MARIA CLARA

agora mais uma netinha. que seja nuito bem vinda até nós, pra longa vida, agora alegria infinda bem vinda Maria Clara  alegres as outras Maria Mariana, Maria Luiza, alegria, José teu irmão gargalha Sorri teu pai Ricardo contente tua mãe Karla De minha parte declaro Pros teus avós és joia rara

CÃS

Tenho os cabelos encanecidos Aceito o real dos anos idos Recuso neles castanho avelãs Falsa tintura de ilusões vãs.  Hoje os tenho ondulados livres Liberto que estou de ilusões que tive Outra beleza neles resplandece Do poeta silente que agora escreve.  Refletem agora luar de prata Dourados foram na aurora da vida Pretendo já estar na fase quarta A quinta que vier terá guarida.

TE AGUARDO

Não há como esquecer aquele suspiro de saudade do meu neto, tenra idade, ao me ver partir sem haver só  com o meu amor no peito; um dia eu volto, querido, ano que vem, bendigo a ti que me amas, um preito de gratidão, um saldo sempre terás em mim, meu neto, de te querer, um afeto, até mais ver, te aguardo

CASAMENTO

Porque choras, oh poeta, em casamentos, Mesmo se de estranhos for? Serão sonhos do passado Ou do futuro que não chegou?

CARTA A MINHA IRMÃ

CARTA A MINHA IRMÃ Charles Fonseca 2001 Quando jovem me pediste Pra morar junto comigo Em fraterna comunhão. Pensei, chegou minha hora De logo retribuir A quem pede logo agora: Quer vencer, lutar, subir. Subindo, lutei e vencí No curso superior. "Minha irmã, tu podes vir, Tens por mote o hei de vencer Da mãe que a todos gerou!" 'Um cantinho, na cozinha' Assim você se expressou. Era tudo o que queria Pra estudar em Salvador. Veja só em quantas voltas Nos prende o nosso amor: Agora sou eu de volta Que em ti busquei abrigo, Hoje moro num quartinho De tua casa em Salvador! Ele é hoje o meu cantinho De onde ouço os passarinhos Com meu pai, irmãos, sobrinho, Todos a me dar amor!

Cortadas as asas meu voo se finda pelos espaços etéreos, o firmamento, no entanto em meu universo interno minh'alma infinda busca o perene alça o eterno

ÁRVORE DA VIDA

Dura lhe tem sido a vida, agreste. Finca suas raízes no chão duro. Dele traz em seiva ao futuro Copas superpostas pro celeste. O caule se o vês já carcomido Assim está por muito ter vivido. Forte ele é, sob ele há vida. Dele, em volta, a sombra te abriga.

BREVE

Oh meus amados, busco olhar os teus  Olhares perdidos tão sem sentido Dos meus carinhos ouvir de novo Novos vagidos nos teus renovos Filhos nascidos em vós sorrisos Não dêem olvidos aos versos meus. Oh meus amados filhos, por Deus Gerados fostes num tempo alegre Que voltem breve a mim cansado De tanto amar-vos vida tão breve Tanta a saudade não quero ir-me Sem teus abraços, faltando um adeus.

CARAS E BOCAS

Essas damas leem “Caras” Esses caras jogam damas Oh meu Deus, tu que os ama, Cura-lhes então as chagas Que desde a tenra infância Quando ainda botão-flor Reprimiram-lhe o amor Prendem-lhes nós, infâmia, ‘Livros, livros à mancheia’, Que os tirem do cismar Por fronteiras dê-lhes mar, Astros ao léu, lua cheia!

APELO

Abracei-te efusivo, Envolvi-te num abraço. Saiste de modo esquivo Pensando que era um laço. A mim disseste, ´mão boba´! Sensível que sou, esteta. Acho que tu não és tola, Descompassaste o poeta. Teu corpo é muito esbelto, Longilíneo, violino. Se tocado vibra certo. Com jeito, dele sai hino. Não sei se te recordas: O maestro na orquestra Dos instrumentos de cordas Quem o toca, a mão aperta. Deixa-me fazer vibrar Qual vibra o diapasão, Do coração cordoalhas Frementes nas minhas mãos!

AO CAIR DA TARDE

Meu filho quero morrer, Disse-me o pai à varanda De onde o mar a vista alcança Meu pai, quão bom é lhe ter Disse-lhe, pai de bondade, Chuviscos do céu nublado Dois choraram e conturbado Ninguém viu, só eu, finda a tarde.

ANTOLHOS

Sinto em tua voz todo o fracasso De teu gesto louco, do passo em falso. Que te fez assim, tão presunçosa? Faltou-te o devir, te ponho em glosa. Não viste o além, viste o encandeado Da imanente moeda, o fogo fatuo. O doirado metal te alumiou os olhos A queimar-te a mente, a te ser antolhos.

AMADA LUA

É noite. Nas ruas sóis de mercúrio. A lua sozinha no firmamento Passeia no céu em tom de lamento, Clareia sozinha meu céu escuro. É noite. Luzes a vapor de sódio. Na terra me elegem pra presidente Da ong dos homens sem sentimento Do amor feminino, dos homens sós. Mas voltaste, amada. Pra mim és lua. Pros outros reservo minha clemência De noutras buscarem, por transferência, Teu claro luar em minha alma nua.

ALELUIA

Oh que estranho pressentimento De Haendel o Aleluia ser lamento! Às vozes que o cantavam carpia dores De adeuses, até mais, velhos amores! E ia ele ao altar entorpecido Morrer as ilusões sem ter vivido. E tudo era um palco só de atores Palhaços, saltimbancos entre flores.

ACORDES ANTES QUE ACORDES

Minha amada ainda dorme Na alvorada que ainda é cinza. Dorme, amada, tu que és tão linda! Velo por ti, que ninguém te acorde. Sonha, amada, os teus desejos, Que chegam a ti por entre véus. São teus, tu bem mereces os céus, Aqui em terra dou-te meus beijos. Ainda sonhas, pra ti é noite. Acordas, logo já é de dia. O nosso amor pela alva guia. Fiel até o final, sou-te.

ACARAJÉ

Do perfume tabuleiro Cheiro a mim sobe, mulher, Do teu sorriso matreiro Dás um gosto pois que é Um tanto apimentado Mistura feijão fradinho Azeite dendê não pouquinho Carurú vens do quiabo ´Inda mais que tu lhe dás Do aroma camarão Que seco molhas ao pão Ai, que cheiro vatapás Do caju pões a castanha Também leite sabor coco Tu lhe dás pra muita chama Amendoim em reforço.

A ESMO

A ESMO Charles Fonseca Espalho flores a esmo sem tempo para cheirá-las espero que quem achá-las as coloquem sobre o peito de mulheres virtuosas daquelas muitas ou poucas de cultura mesmo loucas que amem o belo sestrosas que delas venham em frutos pólem suaves sementes caidas a esmo somente verdade gozos futuros.

ABOIO

Um pastor toca no vale Docemente sua tuba Quem o segue não se turba Berra um, um outro bale. Tange um contra espinhos Outro cerca, desce a vara Docemente e cara a cara Se entendem há um caminho A seguir há um horizonte Os espera um beira rio Ri o pastor, aboio é o fio Condutor, adiante a fonte. Ergue a fronte, vem a tarde Todos seguem ao aprisco Já cevados, longe o risco, Põe-se o sol, a noite invade.

À VISTA

À vista vossa vendo vulgo Viseira voluta, véu vetusto Vós a vedes, vil verdugo Vela à vista, vejo vultos.

A HORA E A VEZ

A HORA E A VEZ Charles Fonseca Buscou após tormenta outros amores Do aquém lá não achara, além talvez. Era hora de ir embora, a sua vez, Pousar noutras paragens, adeus às dores. E assim voou achando ser capaz. Voltou, não era a hora, atrás deixara. Filhotes tenros, assim pensara. Só quando emplumados, se foi em paz.

A ALGAZARRA

por que tanto aquele choro se era festa só alegria por que tanta a agonia se tudo estava às escancaras a noiva linda a pele de oiro e bronzeada só ele chorava convulso à revelia amigos parentes colegas à algazarra?

A BÊNÇÃO

A BENÇÃO  Charles Fonseca  Bendito seja nosso senhor Jesus Cristo! para sempre seja louvado! quem vem lá? é de paz! chegue à frente! e de repente: a benção pai...

À DERIVA

À DERIVA Charles Fonseca Onde estarão agora seus amores Achados em si por tantas certezas, Perdidas horas sem eles, tristezas Em mim e neles, será que há dores? Na alma a falta que não preenche, No peito o furo que nunca fecha, Sou barco ao vento que a onda deixa Sem eles, sem porto, praia, sem leme.

À CRUZ

À CRUZ Charles Fonseca Ah, se acaso tu soubesses Quanto amor tenho comigo Não estaria entregue A mercê tão oprimido Meu coração entre abrolhos Num peito sem ar, tão oco, Sem teu alento, sufoco, Na penumbra sem teus olhos A chorar os meus contenho O riso a fala o semblante Não reluz meu ser amante Jaz sobre cruz, morre ao lenho!

A CEIFA DERRADEIRA

A CEIFA DERRADEIRA Charles Fonseca Tu que vieste na hora derradeira De sua partida o que de mim levaste? Trouxeste a pá de cal, à sombra calaste, E foste em silencio, alcoviteira. Vieste a mim no leva-e-traz de falas Do falso brilho vieste dar faxina De falsa sina, mataste à surdina O que em mim restava, jogaste às valas.

A Caverna de Platão.

Depois de dois anos de convivência na caverna de Platão o idiota veio à luz. Contratou advogado criminalista ex-diretor de penitenciária e abriu processo contra a bandida na delegacia do bairro.

A CASA DO VINICIUS

A CASA DO VINICIUS Charles Fonseca Construiu a sua casa com vista permanente para o mar de Itapuã, na Cidade do São Salvador da Bahia de Todos os Santos. O branco mais negro da Bahia, direto da linha de Xangô, como ele se dizia. Ô ba ba ba! Saravá! O mar por fronteira, o cicio da aragem nas folhas do coqueiral. Uma esteira de vime, uma cachaça de rolha, aquele colar que só as de alambique de barro produzem com eficiência A casa do Vinicius de Moraes! O poeta sabia das coisas. O quarto do casal era num andar superior, a escada era de cordas. Quando subiam ao ninho ele levantava a escada... Por certo levantavam-se labaredas, crepitavam fogueiras, lavas incandescentes escorriam do vulcão.

CANA CAIANA

CANA CAIANA Charles Fonseca Cana caiana moída a melaço Resta bagaço no chão massapê. Presta ao arado, o sonho enterrado, Foi sumo, foi mel, de engenho banguê. Retorna bagaço, húmus da terra. De novo terá pendão de caiana. Ao sol dourado, chegada a ceifama, Novo cutelo afiado lhe espera.

A ESFINGE

A ESFINGE Charles Fonseca Freud teria dito que não sabia o que queria uma mulher. Um seu seguidor que anda zanzando a alma por aí disse que a mulher não existe. Já vi pára choque de caminhão dizendo a mesma coisa. Misteriosa mulher. Mítica figura. Tu ao longe pétrea a zombar do homem Édipo que para vir a ser teve que matar o pai e casar com a mãe. Terminou cego. E eu a usar preventivamente meu colírio para não ver somente a ti, pétrea musa, mitológica estátua, como todo o meu real. De ti tenho medo, de ti fico distante, pra ti o meu olhar, a minha incontinência literária, casado com a poesia e, no entanto, longe das peias do metro, da rima, do estribilho, por estas letras quero ver-te nua de mistério a não me devorar, eu daqui e tu de lá. Eu, um pobre viajor sedento à procura de oásis e tu à beira do caminho, distante, intocável, inderretível, misteriosa, esboço de sorriso no olhar. De ti faço arrodeio, nem te olho, faço que não te vejo, eu quero o mar, minha fronteira, eu quero penetr

A CANOA

A CANOA Charles Fonseca Por onde foi essa canoa que agora descansa sobre a areia, ninguém sabe. Quanta água sob ela, quanto drama sobre a mesma! Ah,mares por que escondes tanto riso tantos amares! Oh céus quanta bruma não só barcos quanto escunas, cobristes de sombras, chorares! Oh ares, virações, brisa suave, emoções no silêncio tu levaste! Quanta terra sob ti, mares bravios, escondes sob as águas, quanto o que foi sorrir, fingindo só foram mágoas!

A CADEADO

A CADEADO Charles Fonseca Ai! temos por lutas lembranças guardadas também em fotos muitas guardadas devotos que somos desde crianças outras guardadas a chaves aprisionadas qual trunfo de sonhos perdidos defuntos de almas menores entraves a um processo alforria em malas a cadeado só pós mortem exumados pros vivos, nova alegria.

A CADA DIA

A CADA DIA Charles Fonseca A cada dia o início mais distante, Está mais próximo o fim, a cada noite, Da partida, só a esperança não foi-se De ainda estar contigo mais um instante. A cada vez, afunda no oceano A nau de minha vida, estou num bote, Mar em procelas me afastam do meu norte, Que és tu, amada minha, só a ti amo.

A BORRA

A BORRA Charles Fonseca Tenho segredos na alma Negra me é a solidão Por dentro é contra mão Por fora o junto vergasta A minh’alma rumo ao céu O meu corpo ao fim descansa Sobre a terra e em fiança Desfaz-se esperança ao léu Que ficou zanzando à toa À espera, à socapa De remir o trauma, o tapa O soco, o cuspe, a borra.

À BEIRA-RIO

  À BEIRA-RIO Charles Fonseca Mesmo com horrível censura, Lá se vão já muitas décadas, A flor abriu-se em pétalas Nem na cabeça a tonsura Impediu gozo vicário Da cabaça, a flor em mel, Adoçou o travo fel Do barrado vate vário. Que barra pesada aquela! A flor no peitoril À janela céu anil Só os dois e a gemer ela A flor toda orvalhada Em cálice turgescente O peito arfante à frente O corpo em rebolado E o poeta em carvalho E a flor em junco tenra Nele se encosta o esquenta Pobre poeta espantalho A cabeça mais acima Pensa menos que a de baixo Oh geleia, sobe o facho, Uma fêmea choraminga.

A VIA LÁCTEA

A VIA LÁCTEA Charles Fonseca a cada dia um terremoto a cada noite um sobressalto madrugadas um maremoto voar pra longe e bem mais alto desse voo galináceo eu quero o voo da águia os píncaros violáceos o azul do céu, à via láctea

A FELICIDADE

A FELICIDADE Charles Fonseca Se a felicidade bater, levanto ou se de pé vou rápido abrir a porta do meu coração, deixo ela fazer morada comigo e eu com ela. Bom que ela bata logo. Encontrará o seu lugar, o seu afago, a sua veneração, a minha mão, o meu olhar, um alisar, não corra não. Fique pra sempre, eu tão cansado, gosto de agrado, de querer bem, você já vem?

A FALHA

A FALHA Charles Fonseca Uma coisa é a fala Outra o que faço dela No intervalo na lamela Na borda onde há falha Do gozo eu só desejo Só falta me impulsiona Meu ser barco sobre a onda Ou ao porto onde achego.